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17/12/2018

Novas regras sobre exclusão de sócio em Sociedades Limitadas de dois sócios: A aprovação do PLC 31/2018 e o grave dano ao direito de defesa dos sócios minoritários

O tema sobre a exclusão de um sócio de uma sociedade de que participe é de extrema relevância e sempre gerou muita preocupação, pois há necessidade de se buscar um equilíbrio entre a proteção dos interesses da sociedade e a proteção do sócio minoritário contra abusos do controlador.

Como regra, as hipóteses de exclusão, que dependam da deliberação dos sócios, devem ser vistas como um mecanismo de autodefesa da sociedade contra o sócio que possa por em risco a continuidade da mesma. Ou seja, é dependente da existência de uma justa causa para o uso de mecanismo tão extremo, não bastando à mera vontade da maioria.

No tocante às Sociedades Limitadas, o Código Civil Brasileiro previu duas hipóteses essenciais de exclusão de sócio: 1) a judicial (prevista no artigo 1.030), em que, por óbvio, é a decisão judicial que rompe os vínculos societários, passando-se pelo crivo do contraditório e da ampla defesa; 2) e a extrajudicial (art. 1.085), que independe de qualquer medida judicial, e que se materializa através de mera alteração contratual, bastando para tanto a deliberação da maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, quando esta entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade e desde que prevista no contrato social tal possibilidade.

Seguindo a lógica do Código Civil, todas as deliberações sociais dependem de realização de reunião ou assembleia, de modo a garantir que todos os sócios não só delas participem, mas tenham ciência do que está sendo objeto de discussão e decisão. Não poderia ser diferente no tocante à deliberação quanto à exclusão de um sócio. Tanto é verdade que a atual redação do parágrafo único do art. 1.085 exige que seja convocada uma reunião ou assembleia especialmente para deliberar sobre a exclusão do sócio, de modo que este possa a ela comparecer, dela participar e, se desejar, exercer o seu direito de defesa. Mesmo para as Sociedades Limitadas enquadradas como Micro ou Pequena Empresa, nas quais, como regra, são dispensadas reuniões ou assembleias, manteve-se a obrigatoriedade da realização destas para a exclusão de sócio.

Nesta parte é que o PLC 31/2018, aprovado pelo Senado Federal, nos estertores desta legislatura (no último dia 11/12/2018 e que aguarda sanção presidencial), faz uma profunda e grave alteração na redação do parágrafo único do art. 1.085 do Código Civil, que, se promulgado, passará a ter a seguinte redação: “Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.”

Caso a sociedade limitada seja composta por apenas dois sócios, a nova redação legislativa permite que a exclusão se dê independentemente de realização de qualquer reunião ou assembleia. A única justificativa para tanto é que, sendo apenas dois sócios, a decisão pela exclusão já estaria tomada pelo sócio controlador e, portanto, desnecessária a convocação de reunião para tal fim. Ora, com o devido respeito, tal argumento ignora os mais basilares fundamentos do direito societário. Sócio controlador é sócio, não dono. Quem lida com direito societário sabe que, independentemente do número de sócios, quando reuniões ou assembleias são convocadas, já há uma posição previamente tomada pela maioria. Algo não muito diferente do próprio Congresso Nacional, que só pauta os projetos quando há uma maioria alinhada com sua aprovação, pois ninguém entra para perder.

A realização da assembleia é uma garantia a todos os sócios de tomar ciência das discussões e decisões da sociedade, pouco importando se terá o sócio poder ou não de influenciar o resultado final (como exemplo, na sociedade anônima em que haja ações preferenciais sem direito de voto, os seus detentores têm o direito de participar ativamente das assembleias, afinal, também são sócios).

Em razão do direito de defesa previsto pelo hoje vigente parágrafo único do art. 1.085, na exclusão extrajudicial, a convocação para uma assembleia com tal finalidade pressupõe que seja dado ao sócio excluendo todas as informações necessárias ao seu exercício, ou seja, que lhe sejam apresentadas as imputações que lhe são feitas. Não se espera que a defesa apresentada na assembleia comova os demais sócios para que o “absolva” e decidam por sua permanência na sociedade. Como dito, quando se chega ao ponto de convocar uma assembleia para tal fim, a decisão já está tomada, só precisa ser formalizada (aí, pouco importa o número de sócios que detenha a sociedade).

A questão principal é de que o sócio tem o direito de saber que está sendo excluído. Tem o direito de saber quais são as acusações que lhe são imputadas. Isto, até mesmo, para garantir a ele que possa, imediatamente após o fato, propor a medida judicial que entender cabível para anular a deliberação de sua exclusão, caso entenda que as acusações que lhe são imputadas são injustas e/ou inverídicas.

A alteração do Código Civil, aprovada pelo PLC 31/2018, ao dispensar a realização de reunião ou assembleia para decidir pela exclusão em uma sociedade que possua apenas dois sócios, retira do excluendo a chance de tomar conhecimento das acusações que lhe são imputadas, pois a alteração contratual será feita apenas com a assinatura do sócio majoritário e como fundamento a prática pelo sócio excluído “de atos de inegável gravidade e que colocaram em risco a continuidade da empresa”.

A falta de uma ata de reunião ou assembleia, na qual fiquem taxativamente expostas as razões que motivaram a exclusão do sócio, dificultam sobremaneira o exercício de seu direito de defesa, mesmo que na via judicial. Sem tais informações essenciais, fica fragilizada uma eventual ação para anular a alteração contratual que o excluir, até mesmo porque não terá o sócio, em sua inicial, como abordar as razões pelas quais foi excluído, pois não as conhece.

Pior, talvez nem mesmo venha a saber o sócio que foi excluído. Na sistemática anterior ao Código Civil, onde não se exigia a realização de quaisquer reuniões de sócios na Sociedade Limitada, não raras às vezes um sócio descobria que o contrato social tinha sido alterado, sem seu conhecimento, anos após o fato. Afinal, não é comum que os sócios busquem constantemente, nos órgãos de registro, cópia atualizada dos atos constitutivos da sociedade de que faz parte. Obviamente a propositura de uma medida judicial imediatamente após a exclusão tem muito mais chance de sucesso, inclusive para concessão de uma tutela de urgência para suspensão de seus efeitos, do que uma ação proposta meses (ou anos) após o fato já consumado.

Enfim, ao que tudo indica, nossos legisladores não sabem a real função da realização de uma assembleia de sócios.

Para minimizar os impactos nefastos de tal alteração legislativa, entendo que a melhor interpretação da nova redação dada ao dispositivo será de que foi dispensada apenas a realização da reunião ou assembleia para a tomada da decisão, mas a deliberação ainda precisa ser tomada. Ou seja, mesmo que a forma para a tomada da decisão não se dê através de uma reunião ou assembleia, deverá o sócio excluído ser comunicado formalmente das acusações que lhe são imputadas e da decisão de sua exclusão, com o respectivo fundamento, de modo a permitir a ele, ao tomar pleno conhecimento destas, buscar imediatamente a defesa de seus direitos no Poder Judiciário.

O mesmo projeto de Lei altera ainda o Art. 1.061 do Código Civil, reduzindo o quórum de destituição da administração de um sócio nomeado no contrato social, de 2/3 (dois terços) para maioria absoluta do capital social, salvo disposição diversa no contrato social. Muitos contratos são feitos pensando nos quóruns previstos em lei e sua alteração sem considerar os contratos vigentes, sempre gera transtornos. Exemplo, um sócio com 35% do capital social que tenha sido nomeado como administrador, no contrato social, tinha a segurança de que não poderia ser destituído sem justa causa. Uma vez sancionado o PLC 31/2018, não terá mais tal segurança, podendo ser destituído a qualquer tempo pela decisão da maioria.

Por fim, resta concluir a importância cada vez maior da realização de contratos sociais bem elaborados, de modo a não ficar à mercê de alterações legislativas como essas. Um contrato bem elaborado preverá quóruns de deliberação para as matérias sensíveis (mesmo que coincidentes com os previstos na atual legislação, pois, como visto, esta pode sofrer alterações), e, no tocante à exclusão de um sócio em uma sociedade com apenas dois sócios, nada impede que o contrato preveja a obrigatoriedade de realização da reunião ou assembleia, independentemente da Lei não mais exigi-la, de modo a evitar os transtornos expostos no presente artigo.

GUSTAVO TEIXEIRA VILLATORE Mestre em Direito de Empresa pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná Professor de Direito Societário da Universidade Positivo Sócio da KATZWINKEL ADVOGADOS ASSOCIADOS.

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