ICMS apurado sem critério razoável não tem valor jurídico, decide TJ-RS
É nulo o lançamento tributário baseado em medição de peso de mercadorias feita de forma não razoável, sem se prestar à presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos. Com esse entendimento, a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu embargos à execução fiscal apresentados por uma transportadora contra o Fisco estadual.
O colegiado, ao contrário do juízo de origem, se convenceu de que o lançamento para apurar o valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) se deu por ‘‘estimativa’’, sem critério razoável ou fundamentação.
No caso concreto, a empresa, que atua originalmente no ramo de mudanças, foi autuada pelo Fisco quando devolvia uma carga de chocolates ao fabricante, composta de 2,5 mil quilos de ovos e kits de chocolate, com valor unitário de R$ 30. Como transportava sem nota fiscal, teve lavrado contra si um auto de infração no valor total de R$ 28.050 (R$ 12.750 de ICMS e R$ 15.300 de multa). O índice da multa chegou a 120% do valor atribuído às mercadorias.
Sem conseguir derrubar o auto de infração na via administrativa, a autora alegou à Justiça que a pesagem não levou em conta que o caminhão carregava materiais utilizados para a mudança. A diferença do peso no momento da abordagem era de 1.500kg.
A autora pediu novo cálculo dos valores devidos e a redução da multa para o percentual de 100% do valor do crédito. O Fisco respondeu que a multa foi aplicada em percentual correto, que o ato administrativo infracional tem presunção de fé pública e que a análise individual da carga é impossível. Para a defesa, a empresa arcou com o ônus de ver a base de cálculo arbitrada pela fiscalização ao deixar de transitar com o documento fiscal.
Parcial procedência
A juíza Carmen Constante Barghouti, da 1ª Vara Cível de Lajeado, decidiu reduzir o percentual da multa, que caiu de 120% para 100% do crédito tributário. Isso porque o Supremo Tribunal Federal já considerou confiscatórias as multas fiscais superiores a 100% (RE 657.372).
Com relação aos parâmetros de pesagem e precificação das mercadorias, objetos centrais dos embargos, a juíza observou que a presunção de legitimidade fica a favor do Fisco: caberia à parte embargante afastar esta presunção por meio de provas robustas – o que não foi feito no nos autos do processo, segundo a magistrada.
‘‘Assinalo que também não existe subsídio concreto, como uma prova pericial, por exemplo, para que o juízo considere um peso aproximado dos materiais que o embargante carregava naquele dia para desempenho da atividade de mudanças, assim como da quantidade de combustível que havia no tanque. E apenas com base em mera presunção não é possível que se determine a redução do peso encontrado na via administrativa’’, escreveu na sentença.
Falta de fundamentação
Já o relator no TJ-RS, desembargador Marcelo Bandeira Pereira, disse que a presunção de legalidade do ato administrativo, para ser válida, deve ostentar os seguintes requisitos: agente competente, finalidade, forma, motivo e objeto.
No caso dos autos, o auto de infração não apresentou ‘‘fundamentação idônea’’ por falha do elemento ‘‘forma’’, o que dá causa à sua nulidade. A autora, para o desembargador, produziu prova apta a afastar a presunção de veracidade do ato administrativo.
Bandeira não viu qualquer justificativa para que o agente fiscal tenha feito a pesagem do veículo, a fim de aferir a quantidade de mercadoria. Tal seria razoável se o produto fosse calculável apenas pelo seu peso, como em casos de grãos ou líquidos. Tratando-se de ovos de chocolate, acondicionados em caixas, seria muito mais eficaz que contasse o número destas e multiplicasse pela quantidade de ovos que nelas cabiam.
‘‘O fisco utilizou método desprovido de qualquer razoabilidade para efetuar o lançamento tributário, sequer justificando o motivo de ter feito a pesagem do caminhão inteiro ao invés de pesar somente os chocolates, ou contar o número de caixas transportadas’’, criticou o relator.
Para o julgador, a ausência de fundamentação se estendeu à precificação das mercadorias autuadas, pois o Fisco não explicou qual base de cálculo considerou o valor provável da venda ao consumidor final. Ou seja, não informou nem demonstrou como chegou ao valor do preço final ao consumidor. Provavelmente, deduziu, o agente público calculou com base em estimativa, sem dar chance de o executado se defender na via administrar, para contestar o valor arbitrado.
Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Processo 017/1.15.0004470-3
Fonte: ConJur